Memória



E de repente não sabia onde estava. Piscou os olhos, espreitou em volta e sentiu o medo avolumar-se. Ocorreu-lhe que tinham combinado um assobio especial para quando se sentisse aflita, mas não se conseguia lembrar de como o fazer. Começou a dizer o nome dele em voz alta enquanto o procurava pela janela.

Só então reparou nas outras pessoas. Olhavam-na com uma expressão curiosa, como se fosse um bicho estranho. Calou-se. Quis sair dali a correr, mas não saberia para onde. Tentou reconstituir o caminho que tinha feito, mas os pensamentos fugiam-lhe. Maldita doença que aos poucos lhe levava tudo. Pensou nas filhas. Recordou viagens de carro que não se repetiriam. Canções que não mais entoariam. Seria, ainda, capaz de as cantar de cor? Sem se aperceber, começou a assobiar. As vozes em seu redor silenciaram-se. Fechou os olhos e esperou. Ele haveria de chegar.



Ana Vargas Santos

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