Certo dia, Alguém nasceu no vazio. Como companhia, apenas dois propósitos: uma ampulheta e um sonho. Como não sabia o que fazer ao primeiro, já que o tempo casmurro passeava, restava-lhe o segundo. “Sonho águia me tornar! Se por aqui alguém passar, eu quero a plenos pulmões gritar: ‘Este mundo belo eu vi, chega perto, quero contar!’”. Como ninguém existia, ninguém o ouviu. Se outro alguém existisse, essa ideia roubaria; como só ninguém existia, então ninguém a guardou. O amassar do vento trouxe a insolência e o velho Alguém atraiçoado se sentiu, vil engano a chegada do sonho que não surgiu! Por fim, morreu. Um momento galgado, uma mão inocente pegou na ampulheta que do bolso de alguém pendia e, acto único, quebrou-a. Ora antes, ninguém nada mais era que garotinho e, com as primaveras, adulto Ninguém ficou. Determinado, os grãozinhos de areia amontoou e, de pronto, uma águia desenhou. Alexandre Mendes