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A mostrar mensagens de novembro 15, 2020

Galeria de Vencedores

  Bem Vindo à galeria dos 5 vencedores do  Grande Torneio de Escrita Criativa Nextart,  Edição de Outono 2020 Foi pedido a cada um que organizasse a sua prestação num documento único, para facilitar a partilha, podendo acrescentar algum enquadramento que achassem oportuno. Para ver o trabalho de cada um, basta clicar nos nomes (organizados por ordem alfabética). Boas leituras! Bruno Andrade Frelsih Margarida Baptista Margarida Pacheco Nunes Leonor Lagos

O Tecido do Outono

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  O tecido do outono salpica os caminhos de tons quentes, prendendo-me a atenção aos pequenos detalhes e enchendo os meus dias de tempo e sentido. Saio de casa e reparo no banco de jardim que sempre existiu, mas agora com um olhar mais demorado sobre quem se senta nele. O balanço das escadas leva-me, a mim e às folhas caídas, para dentro do túnel do metro. Vou contornando desconhecidos silenciosos, de olhar parado e nublado, e prossigo nesta gincana. Quando as portas abrem entro, eu e a corrente de húmida com cheiro a terra, e lentamente procuro o lugar mais confortável por entre casacos, chapéus de chuva e sacos estacionados no chão. A viagem repetida pelos dias leva-me sempre aos mesmo lugares, mas as pessoas sentadas à minha frente, humildes anónimos, são sempre diferentes. Recordo o bebé que chorava como um adulto, o menino que mudava de pele a grande velocidade, a senhora de saia comprida que calçava um sapato mais pequeno e diferente do outro, o rapaz que tinha muito mais espaço

Quando eu Nasci

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  Quando eu nasci, tinha junto a mim a minha mãe e os meus dois irmãos. Eu era bem mais pequenino do que eles, que já tinham saído do ovo há alguns dias. Dois ou três, se calhar, mas, no tempo dos pássaros, dois ou três dias são muitos dias. A minha mãe apressou-se a chamar pelo meu pai, que voou até nós e me veio alimentar. Havia mais pássaros nos outros ramos da minha árvore, e outros tantos noutros ramos de outras árvores. Tivemos a sorte de nascer numa daquelas zonas das cidades em que ainda há árvores. Foi uma questão de sorte porque não se escolhe o lugar onde se nasce. Se não me tivesse calhado aquela árvore, provavelmente nunca teria conhecido o miúdo. Foi num dia ao fim da tarde. Eu seguia com o olhar o voo corajoso de cada um dos meus irmãos e dei-me conta de que outros olhos faziam o mesmo. Um miúdo espreitava-os através de uma janela e, num dos regressos de um deles ao nosso ramo, reparou em mim. Ficou admirado de me ver ainda no ninho e passou a vigiar-me. Dia após dia, es

O Homem Ausente

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  " O homem ausente   partiu para sempre!" - Era o acontecimento daquela manhã. A esposa abandonada passava pelas bancas de fruta de cabeça baixa, fingindo que não ouvia os comentários dos aldeões. O marido partira durante a noite, virara costas àquela terra de ninguém e à família que mal conhecia e partiu no seu cavalo branco em direção ao que, dizia ele, ser o seu destino. Partiu sem remorsos e sem olhar para trás. Aquela terra pouco lhe dizia, mas ela sabia o quanto a terra tinha a dizer sobre ele. Homem ausente, era o que lhe chamavam, pois, mesmo quando estava presente parecia não estar. Ela concordava, passava os dias a sonhar acordado com um olhar distante e poucas conversas tinha com ela.  Na verdade, mesmo quando as tinha, ela pouco percebia o que ele queria dizer quando falava de máquinas voadoras e barcos capazes de explorar o fundo do mar, limitava-se a sorrir-lhe e continuava a lida da casa. No fundo, sabia que ele nunca se encaixara ali, o seu jeito extravagante

O Monte dos Vendavais

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  O Monte dos Vendavais onde cresci tinha no centro um carvalho, daqueles tão grandes e tão velhos que mais que ramos só mesmo histórias. A minha mãe chamava-me cabeça de vento, porque era lá que passava as tardes todas. Trepava e sentava-me num dos ramos a sentir o vento e a olhar o céu redefinir as suas cores. E só quando todos os pássaros já tinham voado para longe em busca de abrigo para a tempestade, e o céu se transformado em breu, é que eu de lá descia. Porque de imprevisibilidade é que a vida é feita, certo dia estava eu de regresso a casa, já de longe se ouviam os relâmpagos da tempestade que se avizinhava, lembrei-me que o meu livro tinha ficado ao pé da árvore, perdido entre a pressa de chegar a casa e os pingos da chuva. Regressei, de coração apertado, em busca da minha companhia. Estranho como os acontecimentos da vida seguem tão ordinários, tão pequenos, que quando são interrompidos por fatalidades, parecem quase absurdos, uma afronta à pacatez mundana. Perdi uma perna, a

Uma Canção de Gelo e Fogo

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  Uma Canção de Gelo e Fogo era tocada pelos jograis quando ouviu o trote de cavalos aproximando-se da estalagem. Viajantes a horas tardias não era usual, mas mesmo assim o estalajadeiro fez sinal ao moço de estrebaria para ir ver quem chegava. Minutos depois, já com os cavalos nos estábulos, quatro homens entram na sala comum, sentando-se na única mesa livre. O estalajadeiro conhecia o mais velho, a quem ofereceu uma caneca de cerveja, dando-lhe as boas vindas, Bons olhos te vejam amigo, esta é por conta da casa, perguntando a medo, Vistes… A tua filha, não tenho novas, estalajadeiro, nada mais sei desde o que te relatei na minha última visita. Desviando o olhar, constrangido, o recém-chegado disse, Peço-te hospedagem para esta noite, partimos ao raiar do Sol, ainda temos muita estrada até ao Outro Lado. Era o que esperava, nada mais e nada menos. Aqueles que levavam para o Castelo era como se fossem levados para outro mundo. Precisava ainda assim de uns momentos a sós. Deu algumas vo

Todo amor, Vinicius de Moraes

  “Todo amor é o que és. E alguém assim não morre nunca.” Nunca ninguém lho tinha dito. Há vários meses que se sente morto. Afinal, alguém. Não consegue deixar de pensar nestas palavras enquanto deambula pelas ruas de uma Alfama deserta. Também este bairro seu, outrora apenas amor, amor intenso, saturado de dizeres, de cheiros, de discussões e pregões, de vida cheia, parece morto. Alfredo não se conforma. Cabrão do vírus está a matar tudo. Entra no único café com a porta aberta. A escuridão interior trava-o. O olhar habitua-se. Cresce a silhueta volumosa da D. Rosa ao fundo, descaída sobre o balcão de mármore. Ninguém mais. Sente o instinto de trazer luz ao local, mas não imagina onde possa estar o interruptor. Talvez deixe de existir sempre que a luz se perde. Hesitante, aos apalpões, por entre os contornos da mobília que consegue vislumbrar, aproxima-se dela. A distância não é grande, mas Alfredo não consegue sentir-lhe o fim. Chega a praguejar por não ter procurado com mais afinco o

M#rda! Amo-te!

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  “M#rda! Amo-te!” Insistia Carlos, enquanto esmurrava a porta do quarto, numa súplica falhada para entrar. Dormiu no sofá. De manhã, ressacado e perturbado, lembrou-se de Laura, ainda jovem, vestida de vermelho vibrante e com a mesma ardência nos lábios, a declamar palavras tiradas dos cadernos onde escrevia sobre o amor. Guardava-os numa gaiola e, sedutora, desafiava-o a resgatar um poema por um beijo.      Apressou-se a sair. Não queria enfrentar Laura depois do que acontecera na noite anterior. Dói-lhe a cabeça com tal intensidade que os olhos querem saltar das órbitas. Sente náuseas. Decide ir à praia. Antes de chegar ao carro, vomita. Curvado sobre si, exaurido, de olhos postos no líquido azedo que escorre no passeio, recorda a consternação de Laura “És um bêbado! Um falhado!” Certo da razão da mulher, obriga-se a reflectir sobre o rumo a dar à sua vida. Com 60 anos, o despedimento caiu-lhe como uma nódoa que não teve coragem de revelar! Deambulou todos os dias do último mês, fin

O Vestido

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  O vestido que decidiu usar nessa noite dava-lhe um ar angelical, quase etéreo, deixando ver as suas bonitas formas através da sua transparência discreta. Quando entrou no bar do hotel, não houve ninguém, homem ou mulher, que não voltasse a cabeça para a ver passar. Os lábios pintados de escarlate bem carregado, contrastavam com os seus belos e grandes olhos verdes, mas não chocavam. Os cabelos ondulados e negros volteavam até aos seus ombros enquanto andava. Tudo na sua aparência era perfeito. Ainda faltavam quinze minutos para o seu primeiro encontro com o agente do FBI, seu superior. Tinha sido recrutada há menos de três meses e esta era a sua primeira missão secreta. Chegada ao balcão do bar sentou-se num dos bancos altos e pediu um Martini com duas azeitonas. Enquanto esperava retirou os cigarros da sua malinha e quando se preparava para acender um, de imediato se aproximou um homem a oferecer-se para lho acender. - Boa noite! Dá-me o prazer de lhe ser útil? – disse com um belo s

Nenhum Olhar

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  ‘Nenhum olhar’, é isso que tu tens. É isto que digo, com os joelhos a arranhar o chão e as lágrimas a soltarem-se pelo rosto. Os braços perdidos no corpo que não consegue chegar ao teu. Estamos tão perto e é uma maratona conseguir chegar a ti. Tenho de correr quilómetros e, mesmo assim, não consigo ver a meta. Tento tocar-te, mas assola-me um medo de fazê-lo. Que isso te leve para mais longe. Tento dizer-te coisas, mas já não sei quais. O marasmo da vida levou-te. Levanta-te, grita, reage. Ama-me. Não há nada que te diga que te entre pelos ouvidos. Nem o calor do corpo do nosso filho te enche o peito. Nem o choro dele nos teus ouvidos te faz sair desse torpor em que o teu corpo enfiou a tua alma. Luta. Por favor. Já suplico. No fim é isto. O mesmo ritual. Na esperança de que agora possa ter sucesso. E é por isso que o repito, uma e outra vez. Vem ter comigo. Não me deixes sozinha. Não quero estar sozinha. Eu quero que estejas aqui comigo. Eu não sou capaz de viver tudo sozinha. Não q

Como não matar as plantas de interior

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  "Como não matar as plantas de interior," perguntou Isabel, "se não consigo manter vivas as pessoas?" Olhou diretamente para o rosto da Elisabete, que a fitou de volta. Isabel abriu a boca mas nenhum som saiu. Ficaram imóveis. No rosto da Isabel, uma única lágrima rumava para o queixo. A primeira a mexer-se foi a Elisabete. Sem tirar os olhos da Isabel, Elisabete arqueou as costas e pôs um pé em frente do outro. Moveu-se com a lentidão de um gato territorial, nunca tirando os olhos igualmente felinos da Irmã Isabel. O braço dela roçou um cato. Picou-a. Elisabete fingiu ignorar e continuou a rondar até ficar a dois passos da Isabel. A lágrima gotejou do queixo para aterrar na folha da calathea que Isabel acariciava, encurvada sobre si mesma na escuridão da sala. Elisabete sentiu o cheiro abafador à terra açucarada que estava a soprar na sala. Tirou os olhos da Isabel e deixou-os pousar no prato que estava em cima da mesa ao lado da freira. Recuou um passo sem querer

Ambas as mãos sobre o corpo

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  Ambas as mãos sobre o corpo Assim ficávamos, horas esquecidas, no reencontro que demorava. O teu olhar no meu, a tua boca na minha percorrendo todo o meu corpo numa volúpia incandescente…e era então que mergulhávamos no mais profundo mar e cavalgávamos para Norte, montanha acima até cairmos exaustos e molhados num sono branco, quase azul, de mãos dadas por esse sonho de oásis, perdidos no deserto dos tempos. A brisa da tarde, a ventania súbito abrindo as portadas amarelas e Carlos Gardel, incansável, num tango por terminar…e tudo recomeçava num desconcerto a quatro mãos. Era Agosto, ao fim da tarde. Ambas as mãos sobre o corpo…

A Filha do Capitão

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  A FILHA DO CAPITÃO   A filha do capitão entrou de rompante na sala. Com a altivez que a caracterizava, caminhou com passos seguros, decidida a demonstrar a sua indignação por mais uma regra imposta, que, no seu entender, não tinha qualquer justificação. Amélia era a mais nova de cinco irmãos, mas sempre fora a mais rebelde e a mais corajosa. Impulsiva por natureza, adorava desafiar as normas, levando ao desespero a sua recatada mãe. O pai, secretamente, pensava que fora uma perda não ter nascido rapaz, tal não era a força e determinação da sua única filha. Daria um excelente comandante do exército. “Uma pena, uma pena Amélia ter nascido rapariga”, dizia tantas vezes para si, enquanto fumava o seu cachimbo à janela, perdido em pensamentos. Como era habitual, naquela manhã o Capitão estava sentado na sua mesa de mogno, enquanto lia o jornal. Quando a pesada porta se abriu, logo percebeu de quem se tratava. Pousou o jornal e levantando-se foi ao seu encontro. Abraçou-a com força, deu-lh

O Porto das Almas

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  O porto das almas   era um sítio escuro e desprovido de cor, um sítio que se assemelhava apenas aos lugares dos nossos pesadelos, onde não existe qualquer réstia de vida ou alegria.   Foi aqui, numa pequena e estreita viela, que acordou Maria. Abriu os olhos, colocou as palmas das mãos no chão frio e levantou-se com dificuldade, procurando perceber onde se encontrava. Ao fazê-lo quase voltou a cair, sentindo no topo da sua cabeça uma dor imensa, semelhante à pior ressaca imaginável.   Olhou em seu redor à procura de algo familiar, tentando identificar alguma coisa que lhe fizesse despertar uma lembrança daquilo que lhe tinha acontecido. Lembrava-se apenas de um jantar à luz das velas com um homem de cabelos negros, de uma garrafa de vinho tinto, de sair para a rua e sentir o toque frio da neve na sua cara. E depois nada.   Percorreu a pequena viela até um túnel de pedra polida, onde lhe era possível ver uma espécie de porto. Dali eram percetíveis os contornos dos barcos que ali se en

Léxico Familiar

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  Léxico familiar religiosamente anotado pela mão da minha irmã enquanto a mãe se embrenhava em tecidos, o pai andava por fora e nós nos entretínhamos a trocar mimos de rimas que tínhamos na ponta bem afiada da língua maliciosamente desenferrujada, O Pai, profissional de mão cheia, intitulava-nos a sociedade do arrebenta, Partia-se um prato, estragava-se um brinquedo, havia jogos pelo chão, lápis roídos, joelhos esfolados lá estava a sociedade do arrebenta em acção, A Mãe, elegante, impecavelmente penteada, risca ao meio e cabelo enrolado para dentro, gostava de se arranjar e vestir bem, lamentava-se que nem podia com um gato pelo rabo, Queixa nossa de dores de cabeça colhia invariavelmente a resposta da praxe, Corta-a e deita-a fora, Mãe, esfolei os joelhos, Não passaste do chão, pois não? Mãe, quando é que vou ter um piano, No dia em que as galinhas tiverem dentes, O meu irmão Filipe, mais conhecido por Fifi, tinha uma capacidade imensa de nos arreliar por ser o mais velho, mas a vin

CASA

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  Catarina Coelho

Pulsação

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  Joana Lobo

Ponto de Fuga

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  Leonor Lagos