Léxico Familiar
Léxico familiar religiosamente anotado pela mão da minha irmã enquanto a mãe se embrenhava em tecidos, o pai andava por fora e nós nos entretínhamos a trocar mimos de rimas que tínhamos na ponta bem afiada da língua maliciosamente desenferrujada,
O Pai, profissional de mão cheia, intitulava-nos a sociedade do arrebenta, Partia-se um prato, estragava-se um brinquedo, havia jogos pelo chão, lápis roídos, joelhos esfolados lá estava a sociedade do arrebenta em acção,
A Mãe, elegante, impecavelmente penteada, risca ao meio e cabelo enrolado para dentro, gostava de se arranjar e vestir bem, lamentava-se que nem podia com um gato pelo rabo, Queixa nossa de dores de cabeça colhia invariavelmente a resposta da praxe, Corta-a e deita-a fora, Mãe, esfolei os joelhos, Não passaste do chão, pois não? Mãe, quando é que vou ter um piano, No dia em que as galinhas tiverem dentes,
O meu irmão Filipe, mais conhecido por Fifi, tinha uma capacidade imensa de nos arreliar por ser o mais velho, mas a vingança era nossa, O Fifi é um lili, não tem pipi, Reacção rápida, A Maria vai ficar para tia, é fria e vadia, E a Zé fuma rapé e cheira a chulé, Olha quem fala, reclamava a Maria, seu ranhoso-fanhoso, paspalho manhoso, Levas uma que ficas a cuspir fininho, E a Zé, E tu levas uma que dás três voltas às cuecas sem tocar no elástico, Vinha a voz dele, Olhem-me só aqueles cocós, Sabem que mais? Arroz com pardais, Conversa de chacha laracha...
Dina de França
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