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A mostrar mensagens de março 20, 2022

TOP 10 | Carta Poema | Benedita Koenders

 "Lisboa, 19 de Março de 2022   Filha,  Hoje, é dia do Pai e acordei a pensar em ti.  Que te dizer passados vinte anos desde o nosso último encontro?  Tantos encontros e desencontros. Cumplicidade perdida. Silêncio denso e espesso. As palavras nunca serão suficientes para te dizer o que sinto.   Neste momento, velho e cansado, quero um abraço teu.   Quero ficar sentado contigo num banco de jardim e permitir que a poeira dos anos que nos afastou se dissipe nas nuvens do céu para nunca mais voltar.   Quero através de um singelo olhar recuperar o tempo perdido.   Mas como recuperar algo que se perdeu? Dúvidas de velho que sente o tempo a escorregar-lhe pelas mãos...   Hoje, mais uma vez, vou estar sentado no banco do “nosso” jardim e desejar que os nossos olhares se cruzem. Vou desejar que haja apenas um encontro e que o silêncio dê lugar a uma cumplicidade que nos envolva num terno abraço há muito adiado.  Teu Pai   "

Top 10 | Carta Poema | Tiago Oliveirinha

 "Tu lá atrás, Vinte anos se cumpriram do tempo que éramos um. Bem sei, ficarias desapontado por incumprir os teus sonhos, mas a maldita culpa, também é Tua. Se algo não consegui alcançar, és tão cobarde quanto eu. Pois, se me deixei dormitar, quem se esqueceu de dançar? Agora, já chega, desta eterna contemplação. Vou-me despedir, e buscar o que é verdadeiramente meu. Até nunca, Presente"

TOP 10 | Carta Poema | Suzete Sá

 "Lisboa, 19 de março de 2022 Pai, Hoje faço vinte anos e escrevo-te, porque nunca te vi. Uns contam-me histórias em que és um herói e outras onde és um vilão, mas eu nunca aninhei a minha cabeça no teu peito, nunca as minhas mãos se arrumaram dentro das tuas, nunca o teu sorriso acalmou as minhas tempestades e mesmo assim é só para ti que hoje escrevo esta carta. Pessoalmente, prefiro as histórias em que és um herói. Todos precisamos de superpoderes no percurso dos dias e saber que há um pai algures capaz de sobrevoar abismos com um filho ao colo, faz-me adormecer em parapeitos virados para o sonho.  Mas há enredos que surgem em que tu és o vilão. Então desejo entender as tuas revoltas, suponho conflitos, que não conheço, e desejo ser eu a razão das tuas futuras escolhas. Passaram vinte anos, e eu nunca te vi, mas tenho reservado no peito um lugar que só pode ser para ti. De coração  O teu filho "

Top 10 | Carta Poema | Margarida Peixoto

 Amanhece, as cores do meu quarto permanecem imóveis, tal como as deixaste naquela tarde solarenga de inverno. Olho pela janela, na esperança de te conseguir ver, mas sei, perfeitamente, que a tua sombra já não habita o meu jardim. Levanto-me, procuro, nestes impiedosos corredores, pela memória que aconchega a minha rotineira vida. Sento-me, bebo, com o meu habitual vagar, um gole de café e deixo de lado as lembranças que insistem em preencher a alma de quem não te consegue ver e o estômago de quem se alimenta do vazio que deixaste.  Levanto-me, outra vez, na esperança de teres encontrado a chave que perdeste quando me abandonaste e de, eventualmente, teres voltado a encontrar o caminho até à casa que outrora foi tua. Saio, deixo para trás a chave. Não consigo voltar a ver o bege da parede que testemunhou o desajeitado encontro da minha alma com a tua.  Saio porque não quero voltar a lembrar-me de ti. Saio porque não é possível viver agarrada à sensação de ser pela metade.  Saio porque

TOP 10 | Carta Poema | Manuela Henriques

 "Eva, Desejo que estejas bem. Ao começares a ler esta carta, pára. Pára e salta já para o fim! O fim é sempre a melhor parte. Pelo meio ficaram vinte anos. Vinte anos de manhãs assombradas, tardes murchas e noites de cinzel, a dar forma ao grito, atrás da janela, aquela que permite ver tudo o que couber num livro em branco. Não sei se um de nós é livro, nem qual de nós é tinta. Somos matérias de uma história que teve o seu início.  Pelo meio ficou a tragédia.  “Voltarei quando sobrar apenas a poeira cósmica da minha existência.” Disseste e confesso ter sido quase divino imaginar-te um pó cintilante, asas infinitas de azul celeste e, ainda assim, sentir os teus braços, quase poesia a envolver-me, a fazer tombar as minhas dores. Quase... Pelo meio aprendi que algumas felicidades doem a conquistar. O fim, Eva, o fim é inquestionável!  A macieira está velha e só tem uma maçã. Em breve cairá, mas se tu quiseres poderá ainda acontecer um perdurável recomeço.  Sempre teu  Adão"

TOP 10 | Carta Poema | Paulo Oliveira

  "Adeus, para sempre Aproximam-se duas décadas desde que parti Tu ficaste para trás e nunca mais te vi Tu ficaste presa na tua Timor livre Eu fiquei agarrado ao que não tive. Não mais te tive, Madalena Mas não há um dia que não pense em ti Vivo ainda na pena Daquilo que perdi Era jovem e inconsciente, eu sei O que me tirou de ti não foi vontade mas lei Sei que não posso recuar no tempo Mas contínuas no meu pensamento Estas são as minhas palavras definitivas As palavras que espero que leias A doença está preste a levar-me das pessoas vivas E quero ter a certeza de que por mim não mais anseias. "

TOP 10 | Carta Poema | Helena Campos

 "Minha irmã, Iluminavas as manhãs com a tua chegada. Trazias as flores de uma esperança renovada e as palavras certas para assentar a minha alma. Diluías no teu riso claro as ínfimas imprecisões do meu inquieto raciocino.  Um dia, há 20 anos, tiveste de partir numa longa viagem, um périplo pelo mundo, de onde me telefonavas ou escrevias, às vezes em longas torrentes de verbos fluidos, outras em curtas notas impressivas.  Ias regressar em breve e finalmente nos reencontraríamos. Ontem, houve um acidente, vinha no jornal. Ontem, numa escura manhã desesperançada, soube que partiste sem retorno.  "

TOP 10 | Carta Poema | Clara SL

 Não nos vemos há 20 anos e, acredites ou não, estou agora mais nova do que quanto te conheci. Abracei a vida! Voltei a andar de baloiço e a querer ver o mundo de pernas para o ar. Voltei a usar salto alto, a sentir a pele a arrepiar-se com o toque de um beijo e a ter a ousadia de regressar a casa depois da meia-noite. Voltei a olhar as estrelas e a deixar que o vento se entrelaçasse no meu corpo. Voltei a sentir-me desperta e a saborear o caminho como se nunca o tivesse visto antes. Por isso, quando me vieres visitar, não te deixes enganar pelas rugas que me marcam o rosto, pelas artroses que conferem formas bizarras aos meus dedos ou pela cor platina dos meus cabelos. Não ligues aos tubos que me ajudam a respirar. São apenas marcas do tempo. Detalhes sem importância! Sou feliz e livre… dentro de mim! Despeço-me. Vem quando quiseres. Não me posso demorar. Esperam-me para dançar um tango!

Top 10 | Carta Poema | Carlos Rodrigues

 Mãe, Estou a escrever-te de Madrid para onde vim com um amigo. Passaram vinte anos e nunca pensei que fosse possível sair de perto de ti. Mas a minha dor era imensa, e tu sabias. Chegou a altura de te escrever …  não tenho coragem para falar contigo. Espero que tenhas uma vida melhor desde que eu saí daí.  Não sei se continuas a viver com o meu pai (espero que não).  Eu sempre achei que vocês iam acabar separados, só nunca percebi porque ainda não o tinham feito. Ainda cheguei a pensar que era por minha causa,  mas rapidamente percebi que não.  O meu pai nunca quis saber de mim,  se eu de facto existia, se estava vivo ou morto. E tu, de quem eu gostei sempre,  sofrias em silêncio  a cada vez que se abria a porta e era o meu pai que chegava sabe-se lá de onde. Eram tão raras as noites em que não te ouvia gritar, quando o meu pai te batia e era tanto e com tanta força, que te ouvia cair no chão e aí o meu pai parava de te bater.  Eu odiava-o cada dia mais.  Já não falávamos um com o out

TOP 10 | Cartas Poema | Alexandre Severo

  "Camarada,   Começo esta carta de uma forma que te vai agradar sobejamente: a dizer-te que tinhas toda a razão.   Estou mesmo a transformar-me num cinzeiro para cigarros humano. Num daqueles velhos que dedicaram com toda a diligência e seriedade décadas inteiras a trabalhar - e só a trabalhar - e que agora não são mais que o produto de uma metamorfose, pobres criaturas-sofá, cujo conceito existencial e ontológico é a calvície e a picagem do ponto. Sou alguém reduzido à condição de IRS modelo 3, Anexo A trabalhador por conta de outrem - mas, bom, ao menos tenho todos os confortos que se pode exigir a uma mansa vida de classe média.   Na última segunda-feira fui almoçar à cantina da repartição. E deixa-me dizer-te: há qualquer coisa de bexigoso, de sol macilento, de paracetamol genérico, de tinta descarnada, de valdispert, de perturbações nervosas ligeiras, de pontos seborreicos no nariz em ir almoçar ao refeitório de uma repartição das finanças. Um cheiro a decadência