Top 10 | Carta Poema | Carlos Rodrigues
Mãe,
Estou a escrever-te de Madrid para onde vim com um amigo.
Passaram vinte anos
e nunca pensei que fosse possível sair de perto de ti.
Mas a minha dor era imensa, e tu sabias.
Chegou a altura de te escrever …
não tenho coragem para falar contigo.
Espero que tenhas uma vida melhor
desde que eu saí daí.
Não sei se continuas a viver com o meu pai (espero que não).
Eu sempre achei que vocês iam acabar separados,
só nunca percebi porque ainda não o tinham feito.
Ainda cheguei a pensar que era por minha causa,
mas rapidamente percebi que não.
O meu pai nunca quis saber de mim,
se eu de facto existia, se estava vivo ou morto.
E tu, de quem eu gostei sempre,
sofrias em silêncio
a cada vez que se abria a porta e era o meu pai
que chegava sabe-se lá de onde.
Eram tão raras as noites em que não te ouvia gritar,
quando o meu pai te batia e era tanto e com tanta força,
que te ouvia cair no chão e aí o meu pai parava de te bater.
Eu odiava-o cada dia mais.
Já não falávamos um com o outro.
Lembras-te mãe, uma noite em que ele disse:
— Tenho que aturar uma puta e um paneleiro! Era só o que me faltava!
E saiu batendo a porta com força.
E tu agarraste-me a chorar e eu também chorava.
Vivo aqui com o Miguel.
Tu não o conheces,
mas o meu pai sabia que eu gostava dele.
Um dia descobriu-nos juntos e eu contei-lhe.
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