Top 10 | Carta Poema | Margarida Peixoto

 Amanhece, as cores do meu quarto permanecem imóveis, tal como as deixaste naquela tarde solarenga de inverno. Olho pela janela, na esperança de te conseguir ver, mas sei, perfeitamente, que a tua sombra já não habita o meu jardim. Levanto-me, procuro, nestes impiedosos corredores, pela memória que aconchega a minha rotineira vida. Sento-me, bebo, com o meu habitual vagar, um gole de café e deixo de lado as lembranças que insistem em preencher a alma de quem não te consegue ver e o estômago de quem se alimenta do vazio que deixaste. 

Levanto-me, outra vez, na esperança de teres encontrado a chave que perdeste quando me abandonaste e de, eventualmente, teres voltado a encontrar o caminho até à casa que outrora foi tua. Saio, deixo para trás a chave. Não consigo voltar a ver o bege da parede que testemunhou o desajeitado encontro da minha alma com a tua. 

Saio porque não quero voltar a lembrar-me de ti. Saio porque não é possível viver agarrada à sensação de ser pela metade. 

Saio porque saíste. Escrevo-te porque me abandonaste. Escrevo-te porque te abandono. Escrevo-te. Lembro-te. Esqueço-te. 


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