O Monte dos Vendavais

 O Monte dos Vendavais onde cresci tinha no centro um carvalho, daqueles tão grandes e tão velhos que mais que ramos só mesmo histórias. A minha mãe chamava-me cabeça de vento, porque era lá que passava as tardes todas. Trepava e sentava-me num dos ramos a sentir o vento e a olhar o céu redefinir as suas cores. E só quando todos os pássaros já tinham voado para longe em busca de abrigo para a tempestade, e o céu se transformado em breu, é que eu de lá descia.

Porque de imprevisibilidade é que a vida é feita, certo dia estava eu de regresso a casa, já de longe se ouviam os relâmpagos da tempestade que se avizinhava, lembrei-me que o meu livro tinha ficado ao pé da árvore, perdido entre a pressa de chegar a casa e os pingos da chuva. Regressei, de coração apertado, em busca da minha companhia. Estranho como os acontecimentos da vida seguem tão ordinários, tão pequenos, que quando são interrompidos por fatalidades, parecem quase absurdos, uma afronta à pacatez mundana.

Perdi uma perna, a árvore perdeu também a sua parte justa. Reencontrei nela o equilíbrio de novo, sabendo que o desajuste que eu tinha do mundo só me aproximava daquilo que sobrava dela. Fiquei sem um pedaço de mim depois daquele dia, sem um pedaço da carne humana que nos sustenta. Contudo, a alma permaneceu intacta. Seja a minha, seja a do carvalho do Monte dos Vendavais.


Calíope




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