Cartas (6)

 

À Senhora do Café

- Óleo sobre tela, 2010 –

 

Desde há cerca de 4 anos que não consigo tirar os olhos de si.

Tem um ar tão distinto!

Mãos de veludo transparente, chapéu amarelo ocre, outonal, a condizer com esse longo casaco garço e macio.

Espreito-a da janela, neste meu olhar azul marítimo perdido no horizonte.

Revisito a infância, a nostalgia do entardecer na aldeia – os serões em família, o recreio na escola, as rodas e os bailaricos, as marionetas e a pianola, os concertos no coreto,  os fados da Amália,  a missa de Domingo e o casamento da prima Juvenália…

…e é neste desconcerto que vivo…

 

Ah, hoje mesmo decidi mudar os quadros da parede.

Acabou-se, Modigliani!

 

Tua,

Joaninha

 

Escrito por: Joaninha Lobo

 

 

Mãe, vou-me embora.

 

Eu sei que tu achas que é cedo, que estou muito melhor aqui, que é mais seguro, pelo menos por enquanto.

 

Mas eu estou farto. Duzentos e setenta dias é demais. Nem pensar!

E depois, isto aqui é sempre igual. Confortável, sim, mas atabafa-se.

 

Só eu é que tenho mudado: sinto-me maior, mais forte, mais capaz.

Sonho com o mundo lá fora, mesmo com perigos e ameaças, mas diferente.

 

Decidi. Vou sair daqui. 

Podes chamar o pai, o médico, a parteira, quem tu quiseres.

Não vais poder evitar, nem tu nem ninguém.

 

Portanto prepara-te. Amanhã é sexta-feira e está decidido.

Vou nascer.

 

Teu filho, Noé.

 

Escrito por: Margarida Costa

Comentários

  1. Boa, Margarida, é assim mesmo. Quando tem de ser, tem mesmo... Bem vindo sejas, Noé, a este mundo estranho.

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